O cantar do galo ecoa ao longe e a claridade tímida vem aos poucos afagar a velha janela azul de madeira, docemente carcomida pelo tempo. Janela essa por cujas frestas milhões de universos se revelam, fluindo em meio aos raios luminosos que escapam das descuidadas brechas, destacando, assim, um sem fim de partículas que bailam sem lógica ante o olhar do sonhador.
Que teto estranho! Onde estou? Que ripas e caibros são esses? Essas paredes não deveriam estar aí! Que guarda roupas escuro! De onde veio essa cômoda? No girar da manivela do moinho de mão, enquanto a lucidez retoma seu eixo da súbita estranheza, o ar transborda em delicados sons e suaves aromas. Não tarda e o irresistível cheiro do café passado na hora, cuja fumaça atrevida enche de ânimo até os mais apáticos dormentes, trará, ao desperto hóspede, as boas vindas ao natural viver. Um mugido sereno conforta o bezerro recém nascido que clama os cuidados e o leite materno, enquanto a ordenha inaugura mais uma radiosa manhã.
O espírito se deleita a inspirar memórias que emanam da lenha queimada, enquanto pães recém saídos do forno jazem embrulhados em uma toalha de algodão branco à espera da hora de derreter a manteiga caseira, que em breve os revestirá. Salutar dose de leite puro, jorrado das tetas da Gironda diretamente à generosa caneca de alumínio, será misturado ao revigorante café, caprichosamente adoçado com açúcar orgânico. O desjejum, sem pressa e aos poucos se finda, enquanto o sonhador lambe os lábios, por quanto ainda sente a espuma da vida a umedecer lhe o ralo bigode!
Anus brancos passam em bandos fazendo festa em direção às sangras d’agua na beira do brejo. Um joão de barro festeja a chegada da companheira. Um bigodinho silva feliz em um galho de paineira, enquanto assanhaços agradecem a fartura das frutas, que a falta de tempo impediu alguém de colhe-las. Minha saudade tem cheiro de chuva, de terra e de relva molhada. Meu peito é um remanso perfumado a flor de laranjeiras, meu coração é um cavalo marchador, meu desejo é um caniço embodocado com uma trairona grande na fisga que deixei de espera na noite anterior. Minha saudade é um naco de queijo curado derretido na chapa do fogão de lenha. É fumaça de fumo de corda queimado no cigarrinho de palha de meu avô.
Vovó, mamãe que saudades! Vovô, papai, meu tio querido, hoje a catira foi aqui no meu peito. Hoje deve ter festa no céu! Fecho os olhos e ouço a viola gemendo canções das quais já não tenho notícias! Obrigado por terem feito parte da minha vida! Se fosse possível mandava uma leitoa aí pra cima e pra você, Zé Menino (meu pai), um quartinho de cabrito assado no forno a lenha!
Às vezes o excesso de modernidade nos tira da alma seu original gosto de bolo de fubá! Não é mesmo Vika (minha filha)?
Marcondes 21 de Janeiro de 2014 02:03
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