Por onde passa o gado a grama não cresce! De tanto pisar a mesma trilha extinguem-se as demais hipóteses. Ao menos, a todo aquele que se contenta com o que lhe põem no cocho. Mesmo havendo alternativas em abundância, por que explorá-las se ao fim do caminho de chão batido encontra-se a fácil providência? Ainda que a exuberante natureza supra os arredores de fartas possibilidades, estas ficam às margens da vida, pois o conformismo condiciona o passo aos rastos da manada. De tanto tomar por referência o rabo da rês que vai à frente, restringe-se a marcha a uma estreita via de mão única, enquanto a esperança delega à sorte os desejos de longevidade e a prevenção de um prematuro abate! A reflexão é sempre dolorosa a quem habituou-se a viver de acasos e impulsos!
Cerco minha casa para que o gado não pise minha horta e não coma as roupas que estendo no varal. Não quero que se alimente do meu jardim em flores. Por mais que o esterco me tenha alguma serventia, prefiro apanha-lo no pasto do que ver o gado babando na minha alface! Limito meus sonhos às abas do meu chapéu. Vivo dos meus arredores. Creio até onde alcança o lume de minha lamparina! Quando a semente é boa e a capina honesta, a lavoura rende o suficiente para sustentar a mim e aos meus. Frutos e espigas me inundam a vista enquanto o vento farfalha ramas e pendões ao sabor da brisa que flui alegrando a roça. Minha vida é como um tacho de doce fervilhando sobre as chamas do borralho. Se parar de mexer queima. É preciso vigiar e remexer até que se chegue ao ponto. Dá trabalho, mas adoça a alma! Para o que preciso me basta!
Ao final do dia sinto cada um dos meus ossos, como se fossem tábuas pregadas, que aos poucos se vergam pela ação do tempo. Porém, agarrado aos meus princípios como os pregos que as fixam aos mourões, sento-me à varanda a contemplar o poente. Encanta-me ver a pequena aranha que tece, incansável, seu pegajoso universo, enquanto uma graciosa corruíra adentra mais uma vez seu camuflado ninho por entre os intrincados galhos do limoeiro, Ouço os filhotes festejarem a chegada de mais um apetitoso inseto. Ao longe coriscos riscam o céu, anunciando a chegada de mais uma noite de bênçãos para as plantações. Repentinas rajadas de vento invadem o terreiro a formar remoinhos que suspendem ao ar partículas que me acessam memórias e lembranças. Sinto o cheiro da chuva que já vem. Convém por a trincos e tramelas cada uma das portas e janelas, além de posicionar a bacia de lavar os pés sob a irreparada goteira. Ao menos servirá para me embalar o sono! Aproveito para recolher me ao som das divinas gotas que tocam o telhado do meu quarto sem forro, como se fossem uma ária de Bach. Assim suspiro e adormeço!
Marcondes 11 de Julho de 2014 00:29
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