Intitulado homo sapiens, entregou-se o homem à busca da preservação de si mesmo sob a bandeira de estar preservando aos seus e perpetuando a própria espécie. Viver da coleta, da caça oportuna ou da pesca sazonal, não lhe abrandava a ansiedade de manter-se vivo por tempo maior. Além disso, tal coisa parece caber melhor aos irracionais ursos! Sentindo-se cada vez mais dono de espaços e coisas, cada vez mais senhor de si e de seus arredores, superlativamente, mais tecnológico; tornou-se, progressivamente, mais egoísta e vaidoso. Passou a ser muito difícil ao homem, abrir mão de suas conquistas materiais ou de poder sobre todos e tantos, que a ele, sem outra alternativa, passaram a se submeter. Colou-se, assim, em sua alma o apego aos prazeres da vida, ao gozo das posses e do poder de decidir sobre si e sobre tantos outros.
Quem sabe uma libélula, uma estrela do mar, uma gazela, uma onça parda ou um sanhaço e todos os demais seres, que não têm qualquer noção de posse, além das próprias crias, possam passar incólumes em suas autoestimas, do estado animado para o estado fóssil, mas não o nobre homo sapiens! Submeter-se plenamente à natureza, sem nenhum controle sobre as intempéries do clima ou qualquer segurança extra quanto à preservação de sua saúde física; tendo em conta as tantas ameaças que o rondavam desde as matas, rugindo e urrando ao seu entorno! Impossível! Abster-se do uso da inteligência seria como delegar a própria existência ao acaso!
Cabe no entanto perguntar a ele, que se tem por sapiens, o que é, mesmo, ser inteligente?! Seria ser homem ou ser natureza? Pergunta-se o homem: Por que submeter-me à natureza se tudo sei e tudo posso? Ok ó grande sapiens! Então responda à pequena Artêmis, por que falta água na Cantareira? Por que as estações perderam a regularidade? Por que derretem-se as geleiras eternas? Por que faltam peixes nos rios? Por que crianças como Artêmis lotam os hospitais nas mudanças repentinas de clima? Por que tantos bichinhos que encheriam os olhos dela de alegria, só existem nos livros de história?
Por que os pais de Artêmis temem mais as noites urbanas do que seus ancestrais temiam as florestas? Por quanto tempo viverá Artêmis até que torne-se mais uma vítima da mentira? Quanto tempo mais viverá até caia adicta aos vícios que lhe tolherão a pureza e a inocência? Quem lhe contará contos de encantamento a imitar a voz de bichos que já terão se calado para sempre? Sob que árvore sentará Artêmis para saborear o seu lanchinho e repartir migalhas com pássaros e esquilos silvestres? Haverá ainda amoras maduras para serem colhidas? Será ainda possível enxergar alguma estrela no céu? Sim! É claro que haverá! Quando o homo for verdadeiramente sapiens e o bolor do egoísmo, que lhe cobre a visão, lhe tiver sido lavado da alma, pelas águas santas da sabedoria. Quando o seu espírito resplandecer como a luz suave e perfumada que emana dos dedos do Senhor!
Marcondes 22/10/2014 01:55
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