Meu nome é esperança e o teu?

EsperançaUm nome um tanto incomum nos dias de hoje. Eu bem sei! Porém, como ainda vivo, pode-se dizer que ainda resta uma entre tantas outras beldades que povoam este mundo de Deus. Sim! Ora, se tenho preocupações! Nem posso me demorar muito, pois o tempo urge; como dizia vovó. Que Deus a tenha! Para minha tristeza teve um mau súbito e caiu sem vida ao lado do gamelão, enquanto batia o melado de cana para chegar a rapadura ao ponto.

Papai está de cama. Deu-lhe um mau jeito na coluna e precisei vir buscar essa lenha para o fogão. Ontem matamos um porco gordo e precisamos da banha para conservar a carne do pobre Polentão. Isso! O porco, ele era o Polentão! Há muita carne para fritar e banha para derreter. Despejamos a gordura quente em uma lata vazia de 20 litros com os pedaços de carne frita juntos. A gordura se solidifica e conserva a carne por um bom tempo.  Por aqui nos falta a energia elétrica e não temos geladeira. Sabe? Ufa! Meu fardo pesa um pouco, mas acho que aqui tenho lenha suficiente para hoje.

Tenho um irmão maior, mas ele está colhendo o café do nosso patrão. Não se pode atrasar muito, pois os grãos já estão todos bem vermelhinhos e quando amadurecem de mais, passam do ponto e depois não dão a medida que os atravessadores exigem na compra do produto e, com isso, perdem valor na venda. Também não sei explicar muito bem, mas são coisas da roça; sabe?

Por favor não repare minha aparência, viu? Aqui o modo de vida é rústico e não dá pra ficar trocando de roupas a toda hora. Estou toda empoeirada e um pouco ofegante, por conta da subida do morro, mas já estou bem perto de casa e mamãe me espera! A vida aqui é simples e sem sofisticação, todavia, não me falta nada para ser feliz. Às vezes, noto que minha precariedade material e meus andrajos incomodam mais aos outros do que a mim mesma! Não se sofre muito, quando não se tem o que não se sabe que poderia ter! Me entende? Nosso Ana Pegova por aqui é feito de pinhãozinho, soda cáustica e sebo de ruminantes. Sabia que teria essa reação! Mas olha! Deixa a pele e as roupas limpinhas viu! Apesar dos remendos.

Estudar? Até que gostaria. Assim, se eu aprendesse a ler, poderia me deliciar com todas as histórias de Christian Andersen, dos Irmãos Grimm, de La Fontaine e de Lobato. Sem me esquecer das fábulas de Esopo, um escritor famoso da Grécia antiga, e dos Contos da Tradição Sufi, com suas metáforas do comportamento humano e histórias que nos conduzem, por meio de seus personagens, elementos e lugares a uma experiência de aprendizagem rica em criatividade, ampliando, deste modo, nossos recursos e capacidades potenciais! Ah! Lindos eu sei, porém, creio que hoje em dia só a mim, que por aqui vivo, fariam falta. Lembre-se! Não sentimos falta do que não sabemos que existe. Na cidade grande há tanto com o que se distrair que, meninas como eu, devem passar mais horas à frente do espelho fazendo poses para o smart phone, para posteriormente postar no facebook, do que aventurando-se pelo mundo das páginas de papel! Não! Não se trata de crítica, apenas uma constatação! Nem me sinto apta a julgar se melhor ou pior! Humm! Tá começando a pesar!

Sabe! Papai Noel por aqui anda a cavalo e costuma deixar os presentes na tulha velha de café. Isso, quando estamos todos dormindo. Mas para tanto, é preciso deixar um feixe de capim napiê bem cortado para o seu tordilho e algumas espigas de milho bem à vista do equino! Ano passado, o bom velhinho me trouxe uma boneca de pano sardentinha. Dei-lhe o nome de Gabriela. O engraçado foi que planejei surpreende-lo e dormi com a lamparina acesa. Fui vencida pelo sono! O que passou foi que me levantei com o nariz preto da fumaça do querozene e do velhinho mesmo, só os rastros do seu cavalo e algumas bolotas de esterco ao lado do que sobrou do capim! 

Olha queridos! Preciso ir! Como devem ter percebido, sou apenas uma ficção. Se não no ser, com certeza no falar! Todavia, não deixo de ser um sonho! Não me surpreenderia se voltássemos a nos encontrar a alguns milênios adiante, quando, talvez, nossa situação se inverta novamente. Não! Não se preocupe, pois há muito que eu já nem existo para a grande maioria dos urbanitas, ditos civilizados.  Contudo, sequer temo a morte, pois, mesmo que isso venha a me ocorrer; reza a lenda que serei a última e, portanto, não causarei tristeza a ninguém, já que todos partirão antes de mim, pois, como eu disse, meu nome é Esperança!.

Marcondes                15 de Dezembro de 2014                     01:59

6 comments on “Meu nome é esperança e o teu?”

  1. Marcelo Carvalho Responder

    Sensacional Mestre Marcondes, a ternura e a simplicidade que da à personagem, tarna-a cativante, e sua fala de uma inteligência incrivelmente humana!

  2. Gabriel Ramos Responder

    Como dizia Paulo Freire: ” Esperança tem que ser do verbo esperançar, caso contrário, é somente espera.
    Escrita simples e farta de adjetivos que dão Vida ao personagem.
    Me lembrou um escritor americano chamado John Steinbeck, no livro “As vinhas da Ira”..
    Abraço Mestre!

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