Harb e os Chineses (Parte II)

As peças importadas ficavam cerca de 30% mais baratas do que produzidas localmente. Harb pensou que não era um número impossível de se buscar. Silvio fez um levantamento e identificou as peças de maior volume e passou para Harb uma planilha onde constavam os respectivos custos de cada operação, juntamente com as folhas de processos onde era possível checar parâmetros de corte, além dos detalhes sobre as características de cada ferramenta (classe de metal duro, geometrias de quebra cavacos, formatos, raios de ponta, etc.)

Percorrendo a linha de produção, Harb foi até o início do processo e percebeu que havia uma deficiência na operação de corte do material. Como a serra não conseguia serrar no esquadro, o operador deixava bem mais sobremetal, a fim de que nas operações posteriores de faceamento, no torno, essa desigualdade fosse compensada. O problema é que como desdobramento, eram necessários dois ou três passes extras para acertar o esquadro da peça e isso encarecia o processo.

Outro ponto foi perceber, que embora as máquinas ostentassem potência suficiente para trabalhar em condições muito mais severas e com segurança, o hábito levara os operadores a trabalharem sempre no limite mínimo de velocidade e avanço. Harb percebeu que utilizando ferramentas mais robustas, com geometrias mais favoráveis ao desbaste, era possível gerar em um único passe, superfícies que estavam consumindo 3 passes. Quando sugeriu aos operadores uma mudança de parâmetros tão severa, estes tiveram medo de que a máquina ou as ferramentas não aguentassem. Entendeu então que eram necessárias duas coisas. Primeiro um treinamento, executando algumas demonstrações, fazendo com que os operadores compreendessem que ainda havia muito espaço dentro da capacidade das máquinas, para que pudessem explorar mais o potencial disponível. Também informou que, se não conseguissem gerar um custo menor, a empresa poderia passar a importar todos os componentes e isso colocaria em risco até o emprego dos mesmos.

Revisando assim cada passo das operações, contando com a boa vontade dos operadores e trabalhando em equipe com o pessoal da engenharia de manufatura, enxugou ao máximo todo o processo. Como resultado, conseguiram para as peças de maior volume, um custo em torno de 10% inferior ao que os Chineses podiam oferecer. Ante a esse fato, a diretoria percebeu que estavam agora em condições de, inclusive, reverter o processo, já que estavam produzindo por custos mais competitivos do que a importação podia lhes proporcionar, pensaram em começar a exportar tais peças.

Embora a esta altura Harb já se tornara um especialista em usinagem, lhe valeu muito  a visão de gestor de melhorias, adquirida nos tempos em que trabalhou com os sistemas de manutenção da qualidade. Por meio de análises e aplicação de ferramentas como gráficos de causa e efeito, ele e seus companheiros de trabalho, junto ao cliente, encontraram alternativas suficientemente competitivas, para manter a empresa girando sem a necessidade de se enxugar as estruturas locais, por meio de corte de cabeças e do sucateamento da fábrica em favor da simples importação de produtos.

Atualmente, a empresa ainda importa alguns itens, porém de modo mais estratégico. Importam para poder atender a aumentos inesperados de demanda, itens especiais e de baixo volume, que não compensam produzir localmente, por exemplo.

O que pude tirar de positivo disso tudo é que não podemos nos conformar com o simples abandono da ideia de produzir localmente. Quem não produz não aprende, não se especializa, acaba esquecendo e com o tempo torna-se colônia de quem pesquisa, de quem estuda, de quem inova e de quem produz. É nessa hora que se vê o valor do verdadeiro engenheiro, do verdadeiro técnico, do verdadeiro prestador de serviços, do verdadeiro vendedor. Não somos vendedores de vassouras ou gravatas.

Bens industriais carecem de perícia técnica como apoio à sua produção e vendas. Não podemos entregar sem luta o nosso mercado aos produtos importados, principalmente se ainda somos capazes de competir. Não podemos entregar os pontos quando há muito por fazer. Para mim Harb tornou-se uma referência do que o “não conformar-se” pode fazer por todos nós que escolhemos uma carreira técnica e não temos vocação para trabalhar na roça ou atrás de um balcão de loja, por mais digno que esses trabalhados possam ser. Estudamos para aprender gerar soluções e encontrar alternativas viáveis por meio da criatividade. Creio profundamente que temos espaço para superar todos os desafios impostos à indústria local, mas para isso é preciso seguir o caminho de Harb, o caminho da superação.

Veja a primeira parte deste post:  Harb e os Chineses! (Parte I)

5 comments on “Harb e os Chineses (Parte II)”

  1. Rogėrio Responder

    Inspirador professor Chicão, concordo. Só ficar lamentando, dizendo por aí que tudo vai acabar em China é para os fracos. Podemos atė perder uma ou outra batalha mas lutar certamente vale a pena.

  2. WILSON SERGIO MARTINS DANTAS Responder

    Não podia ser diferente… me identifico muito com o assunto, inclusive gostaria de acrescentar mais… apesar de seu comentário que não somos vendedores de vassouras ou gravatas, se bem que muitos são excelentes.
    Acredito que no mundo metalmecânico existam sim os famosos passeadores de pastas ou maleteiros que simplesmente entregam os produtos que estão na mala ou na foto do catálogo.
    Pessoas Técnicas como eu seguem desvalorizadas pelo vício do mercado, alguns clientes não pedem ajuda porque se preocupam muito em atender a solicitação de superiores, e na pressa há coisas que não geram melhorias, redução de custos, apenas se segue a onda.
    Muito oportuno o seu texto dessa semana. Parabéns e Obrigado.

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