Ler é viver, mas há que se saber ler!

000000 Moça Estudando

Imagem meramente ilustrativa

Sou professor universitário há muitos anos. Me considero um bom leitor. Em minhas aulas sempre faço referências aos livros que li. Recentemente, Valdo e Bruna, dois alunos meus, me solicitaram que lhes fizesse sugestões de livros para leitura. Uma solicitação, aparentemente, fácil de atender, todavia me levou a altas reflexões, talvez até desnecessárias.

Ler é um ato solitário, a não ser que alguém decida ler em voz alta, atendendo ao pedido de alguém, a fim de compartilhar o que estiver lendo. Creio eu, que a leitura, para ser considerada útil, deva acrescentar conhecimento e, se possível, sabedoria à pessoa que lê. O ato de ler, deveria, ao menos, garantir algum prazer e entretenimento ao leitor. O ideal é que, como resultado, ao fechar a última página alguma carência tenha sido suprida.

Foi a partir desse ponto que comecei meu questionamento: Se a leitura deve atender alguma carência, cabe lembrar que pessoas diferentes tem carências e gostos distintos! Deste modo, um livro que muito agradou a um, pode não atender às expectativas de outro. Por onde começar então?

Partindo do princípio, que o desejo básico de qualquer pessoa, salvo os masoquistas, é ser feliz, ou seja, se a felicidade for um destino, todas as ações de um indivíduo deveriam contribuir com esse objetivo. Assim, antes de escolher qualquer livro para ler, a pessoa deveria se questionar:

Sobre o propósito da leitura:

─ O que pretendo melhorar em mim ou em minha vida?

─ Em quais áreas do conhecimento me sinto carente?

─ Que assuntos me despertam maior interesse?

─ Que temas me atraem mais?

─ Quais são meus objetivos a curto, médio e longo prazo?

─ Ciente da brevidade da vida e minhas restrições de tempo, que áreas do conhecimento devo priorizar?

─ Até que ponto pretendo priorizar a segurança da razão?

─ Até quanto estou disposto a oprimir as temeridades inerentes às minhas paixões? 

Sobre o livro:

─ O tema desse livro se alinha com meus propósitos de vida ou contribuem com meus atuais objetivos?

─ O conteúdo pode me fazer uma pessoa melhor ou mais feliz?

─ Poderia me fazer um profissional mais competente?

─ Me tornaria uma pessoa mais culta?

─ Poderia me trazer algum benefício físico, mental, psicológico, material ou espiritual?

─ Traz recomendações e depoimentos de especialistas que leram e recomendam o livro?

─ O prefácio foi escrito por alguém de renome que denote autoridade no assunto?

─ O número de páginas garante consistência ao conteúdo. Um livro muito fino denota superficialidade, enquanto um muito grosso pode indicar falta de objetividade ou foco.

─ Os resumos encontrados na contracapa e orelhas das capas do livro são estimulantes e convincentes? 

Sobre a qualidade gráfica:

─ O livro dá boa leitura, ou seja, foi editado em letras de tamanho e forma confortáveis à leitura?

─ Tem boa qualidade de impressão?

─ Está bem ilustrado?

─ É cômodo para manusear e transportar?

Sobre o autor / escritor:

─ Quem é o autor? O que faz ou já fez que o credencie como alguém que mereça ser lido?

─ O escritor é reconhecido nacional ou internacionalmente?

─ Qual a sua experiência ou formação?

─ Possui mestrado ou doutorado? É um PhD (Philosofer Doctor)?

─ Estudou em alguma entidade de renome nacional ou internacional?

─ Já escreveu algum best seller ou trata-se de seu primeiro livro?

─ Que experiência possui?

─ O mesmo escreve com base em que fontes de referência?

Sobre a consistência da publicação:

─ A bibliografia recomendada no fim do livro é consistente, ou seja, é baseada em uma lista longa de livros e autores ou em apenas meia dúzia deles.

─ As recomendações bibliográficas são recentes, antigas, de autores renomados ou desconhecidos?

─ A publicação é recente, antiga, muito antiga? Dependendo da idade da publicação, muitas informações já poderão estar ultrapassadas.

─ Trata-se de uma primeira edição ou já foi editado várias vezes? Se teve mais de uma edição, dá a entender que se trata de uma publicação que alcançou êxito entre seus leitores. 

Sobre a editora:

─ A editora é reconhecida pela qualidade de suas publicações?

─ É especializada no assunto tratado no livro?

─ Possui algum selo de qualidade?

A essa altura, alguém poderia dizer:

─ Orra meu! Não é mais fácil fazer uma visita à biblioteca, ao sebo, à livraria, à banca de jornais, a um site especializado, correr os olhos nos títulos de livros e deixar que um deles faça algum livro saltar sobre nós? Isso é tão fácil que qualquer um poderia fazer!

É verdade! Qualquer um poderia fazer e é assim que muita gente faz! Ocorre, no entanto, que esse meu texto não foi escrito para qualquer um! Antes disso, foi escrito para quem quer fazer valer o tempo que dedicará à leitura, para alguém que deseje ter os pés firmes na terra e a cabeça entre o brilho das estrelas.

Li certa vez em um texto desses que fluem pela internet e não tenho como provar se se trata de algo verídico, que no dia em que Jorge Luis Borges fazia 50 anos, ele caminhava por uma cidade que estava visitando, quando, por acaso, em uma certa esquina, encontrou um velho amigo que há tempos não via. Conversaram animadamente por uns poucos minutos, sob a promessa de marcarem, oportunamente, um novo encontro para colocarem o assunto em dia, em condições mais favoráveis. Se despediram e o amigo se foi a passo ligeiro, como costumam ser as pessoas da cidade grande. Enquanto o amigo sumia aos poucos entre os tantos transeuntes, Jorge se perguntou:

─ Será que algum dia, ainda, retornarei a essa cidade? Será que voltarei alguma outra vez a esta esquina? Será que ainda reencontrarei, em vida, a esse amigo?

Voltando para casa, ao entrar em sua farta biblioteca, contando ainda com tantos livros por ler, indagou a si mesmo:

─ Será que serei capaz de ler a todos esses livros enquanto vivo?

Diz-se que, a partir daquele momento, Borges passou a escolher melhor as cidades, as esquinas, os amigos e os livros!

Na ocasião que li o tal texto, eu tinha, aproximadamente, 40 anos e disse para mim mesmo:

─ Porque esperarei eu pelos 50 anos? Começarei hoje mesmo!

Hoje tenho mais de 50 e em minhas reflexões, muitas vezes, me torno melancólico e patético a me cobrar:

─ Por que não comecei ainda antes?  Quem sabe se tivesse sido mais criterioso na escolha desde quando aprendi a ler!? Quanto mais próximo estaria eu do nível de sabedoria que sonho e talvez não alcance em vida?

Por esse motivo escrevi esse texto para o Valdo e para a Bruna, pois ambos têm sede de saber e brilho nos olhos. Além disso, têm bem menos de 40 e poderão ir muito além do que serei capaz!

Como esse texto já está deveras longo e a quantidade de livros que gostaria de recomendar é muito grande, deixo lhes, hoje, apenas uma indicação. Trata-se do livro “Viver e Trabalhar” de João Bosco Lodi, que traz uma proposta de reciclagem pessoal para quem deseja se tornar uma pessoa culta.  O meu exemplar é uma 2ª edição, a editora é a Pioneira e meu exemplar é de 1987. Procurei no site da livraria Cultura e descobri que se trata de uma edição esgotada na editora. Contudo, com boa vontade e a riqueza dos sebos da cidade, como o sebo do Messias, por exemplo, não me surpreenderia se ainda encontrassem, por aí, algum exemplar em bom estado.

No livro Lodi propõe um Plano de Leitura e sugere 62 livros da literatura universal (só tem fera), sugere ainda 126 grandes pensadores do século XX, citando suas principais obras primas. Sugere também um Plano de Viagens Culturais, citando 31 capitais internacionais, 25 importantes civilizações, 5 vales de rios no mundo, 8 grandes centros universitários internacionais, 8 playgrounds (parques turísticos) internacionais.

Comecei a ler pra valer a partir de 1984. Paulo Shimizu, um amigo e meu mentor, me recomendou que sempre carregasse um livro em minha valise. Assim, ao invés de me aborrecer nas recepções dos clientes, à espera de ser atendido, eu teria algo útil para compensar a minha, aparente, perda de tempo. De lá para cá já li centenas, talvez, milhares de livros. Não que tenha tomado tanto chá de cadeira assim, mas porque aprendi a gostar de ler! Minha biblioteca pessoal enche umas 15 estantes. Não cabe dentro de casa. Ainda bem que tenho uma garagem grande. Tenho os principais clássicos de literatura, nacionais e internacionais, a maioria dos grandes pensadores, biografias de grades líderes, uma infinidade de livros de marketing, vendas, negócios, mitologia, filosofia, religião, história, política, autoajuda, motivação, engenharia mecânica, usinagem, economia, gestão, estratégias empresariais e tantos outros. Leio em média meia hora por dia. Porém, também tenho uma razoável audioteca, cerca de uma centena de áudio-livros. Gosto muito dos audio-livros, porque posso ouvir no trânsito e na esteira quando me exercito. E para terminar mesmo, se você for ler apenas um livro em sua vida, recomendo que leia a Bíblia Sagrada.

Marcondes        01 de Junho de 2015                     23:57

8 comments on “Ler é viver, mas há que se saber ler!”

  1. Aldeci Santos Responder

    Muito bom Marcondes! Despertar nas pessoas o prazer pela leitura é dar uma contribuição para o conhecimento. Eu não sou um bom exemplo, pois ainda leio pouco, porém quando encontro um que me agrada o “devoro”. Por outro lado, se não, deixo de lado. Tento incentivar meus filhos de 6 e 11 anos e percebi que preciso encontrar o ” atrativo ” para que encontrem o gosto nas leituras e me parece que esta geração precisará mais de nosso incentivo.
    Abraço

    • Francisco C Marcondes Responder

      Olá meu irmãozinho!
      Tudo bem por aí?
      Quando meus filhos eram pequenos, comprei um livro com muitas histórias boas de contar. Você conhece o livro. Foi o livro de onde o Cacuro tirava os contos de ensinamento para nossos treinamentos. Chama-se Histórias da Tradição Sufi.
      Toda noite eu lia histórias para meus filhos. Dando vozes distintas aos personagens, fazendo vozes para leões e cabritos.
      Lia uma história por noite. Quando ia dormir deixava o livro sobre uma cômoda no quarto deles. Como as histórias eram legais, eles, aos poucos, começaram a ler pra si mesmos.
      Minha filha lê, mas meu filho se tornou um grande leitor. Tem lido coleções de livros de mais de 300 páginas cada um.
      Obrigado pela visita e pelo comentário!
      Tua visita sempre me alegra!
      Grande abraço!
      Marcondes.

  2. Silvana Zimmermann Responder

    Olá Sr. Marcondes! Ler para mim é viajar, é evoluir… ao virar a última página (as vezes com pesar, pois que pena terminou…) não sou mais a mesma pessoa que iniciou a leitura, as reflexões me fazem uma pessoa melhor… pelo menos eu tento… Como é prazeroso algo tão simples, um livro, uma xícara de chá… pode ser solitário, mas é um encontro consigo mesmo… depois de um dia estressante… trânsito onde você olha para as pessoas e vê um semblante fechado que dá até medo… então busco em meus livros a paz que preciso… pois não quero ser mais com cara fechada, quero ser uma pessoa tranquila e cordial com desconhecidos. Obrigada pelos seus artigos, eles sempre são maravilhosos!

    • marcondes Responder

      Olá Silvana!
      Que maravilha de comentário, muito obrigado por ele e pela visita ao blog!
      É muito bom viver em um país livre onde podemos escolher o que ler. Vejo em cada bom livro um amigo, um terapeuta,um conselheiro, um companheiro de viagem.
      Creio que o semblante das pessoas é o espelho de suas próprias almas.
      Sempre que vejo o rosto das pessoas às janelas dos ônibus, dos trens ou de algum outro transporte coletivo, encontro mais a desesperança e a impotência do que entusiasmo e alegria.Parafraseando as escrituras, se assemelham a ovelhas sem pastor! Uma pena!
      Não creio que tal estado de coisas possa mudar por conta de alguma grandeza ética externa, vinda de nossos governantes, por exemplo! Penso que a melhor das soluções deve mesmo nascer dentro das próprias pessoas, assim como você disse, encontrar a sí próprias dentro de si mesmas.
      Epicuro dizia que a felicidade está em ter amigos, ser livre e poder refletir sobre a vida. Creio que os bons livros nos conduzem nessa direção.
      Teu comentário fez o meu dia!
      Muito obrigado e boa leitura junto a uma saborosa xícara de chá!
      Tenha em mim um amigo.
      Grande abraço!
      Marcondes.

  3. Cirenini Augusto Aprileo Responder

    Caro Marcondes, sou leitor assíduo de seus textos via mala direta do portal CIMM, este em particular fez me refletir e argumentar com o amigo alguns tópicos citados, como por exemplo:
    Não se julga um livro pela capa, título, autor, resenhas e editoras,
    Atualmente inclusive os livros são comercializados em formatos de e-book que praticamente encortinam, seu tamanho, formato, edição em número, até por que em meio eletrônico nõa mais se esgota e não definham, mesmo para alguns leitores cinestésicos, os novos formatos de livros/e-books, mudam nossa nova vi~soa da matéria e escolha por beleza da publicação.
    Pouco importa também o passado do autor, pois todos tem a mesma chance na vida e um novato pode muito bem surpreender a todos.
    Livros antigos são ótimos e nos dão ensinamentos fantásticos, mas não devemos menosprezar o novo e atual, você como eu, professores que temos como meta levar ensinamento, chamar nossos alunos à reflexão, sabemos muito bem que infelizmente as escolas educam, ou melhor, procuram educar com conceitos já obsoletos e em muito ultrapassados, na maioria das vezes e temos liberado para a sociedade e mercado profissionais mal preparados em todos os sentidos, portanto seria ideal fazer com que os estudantes, os interessados na leitura e aprendizado, escolham ler o que mais lhe interessa, para mim a leitura é como uma religião onde o ideal e que a ´pessoa sinta se bem, feliz e completa!
    Sou da época em que éramos incentivados a ler tudo do começo ao final para somente depois fazer algum julgamento se foi bom ou não, mas ainda hoje ao menos e por causa de tanta matéria a ler, escolho aquelas que são bem escritas, onde há concordância e textos sem erros gramaticais crassos!
    Abraços
    Cirenini A. Aprileo
    cireaa@gmail.com
    http://www.capoliuretanos.com.br

    • Francisco C Marcondes Responder

      Olá Cirenini!
      Obrigado pelo teu comentário, que sempre me trás contribuições de valor.

      Eu creio que consigo te entender.

      Meu comentário sofre a influência de um dos meus mestres da Unicamp, o professor Agostinho (Oswaldo Luiz), que além de professor foi executivo na Eaton de Valinhos por muitos anos.

      Ele nos dizia que uma boa dissertação precisava ter no mínimo 50 referências bibliográficas e uma boa tese de doutorado deveria ter no mínimo 100 referências bibliográficas. De preferência, de autores internacionais, provenientes dos centros universitários, institutos de pesquisa ou mercados de reconhecido mérito (MIT, Harvard, Achen, etc) Além disso, as referências bibliográficas deveriam ser recentes, pois a velocidade de inovação na engenharia pode tornar uma teoria ultrapassada em pouco tempo. Ele também dizia que a internet trás muita informação, mas pouco conhecimento. Recomendava, portanto, mais os livros, onde se pode ver o pedigree do autor. Por exemplo, muita informação contida na wikipédia, não se tem certeza se é de fato real. O livro tem registro, tem autenticidade, tem endereço, tem nome e sobrenome.

      Artigos da net, ele recomendava que fossem baixados de sites oficiais de entidades reconhecidas pela qualidade de suas publicações. Por exemplo o SciELO – Scientific Electronic Library Online. Qualquer artigo antes de lá ser publicado passou por um crivo severíssimo de um corpo de referees de altíssimo nível de conhecimento.

      O que eu quero dizer com toda essa argumentação? Se a tua leitura visa transformá-lo em um especialista em alguma área de conhecimento, eu creio que as recomendações do Prof Agostinho são muito pertinentes.
      Por outro lado, se o propósito é mais o entretenimento, e a viagem que o livro e seu respectivo autor podem levar uma pessoa à aprazíveis reflexões e sensibilidades, creio que se possa abrir mão de todo esse rigor.

      De todo modo, mesmo eu tendo um lado mais poético, mais humano e menos exato, pessoalmente, não consigo mais abrir mão de conferir o índice, o encadeamento dos assuntos, o pedigree do autor, tudo como descrevi em meu post. Dentro de mim ainda vive um engenheiro! Quando o título, o subtítulo, a capa, as orelhas, o currículo do autor, suas referências e a sequência dos assuntos no índice me agradam, sinto me muito mais estimulado a ler o livro, de cabo a rabo. Quase nunca me decepciono.

      De todo modo, seguindo as recomendações do Agostinho com as adições que fiz, sobre antes de ler definir um propósito e tal, ou seguindo as tuas recomendações, que também respeito, o importante é que as pessoas leiam mais e que aprendam a encontrar, nos livros, a inspiração necessária para que se tornem pessoas ( ou profissionais) mais realizadas e felizes!

      Já comprei livros de autores de primeira viagem, porém, quase sempre, são pessoas que tem uma história de vida interessante, talvez, tenham sequer estudado, porém, tiveram ousadia e fé que os levaram a alguma experiência interessante, que acaba nos atraindo a curiosidade.

      O que posso te dizer é que me sinto privilegiado em te-lo como leitor dos meus posts. Talvez, se você aplicasse todo o rigor recomendado por mim e pelo prof Agostinho em suas escolhas sobre o que ler, não estaríamos trocando ideias agora!

      Grannnde abraço e volte sempre, você é muito bem-vindo!

      Marcondes.

    • marcondes Responder

      Estimada Puresa!
      Muito obrigado pela visita e pelo comentário!
      Tenho em você uma boa referência em termos de sensibilidade.
      Se você gostou do que escrevi, me sinto mais tranquilo quanto a ter atingido meus objetivos com esse texto.
      Grande abraço!
      Marcondes.

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